Parecer Nº 4 ao Projeto de Lei Nº 168/2022
Data: 04/11/2022
Protocolo: 10824/2022
Situação: Encaminhado
Quórum: Não Especificado
Autoria: Fábio de Freitas Carvalho, Fernando Francisco Papa
Assunto: DIRETORIA JURÍDICA
Parecer Jurídico nº 138/2022
Projeto de Lei nº 168/2022
Ementa: “Dispõe sobre a introdução de texto informativo nas faturas do SeMAE sobre o valor da taxa de pagamento quando solicitar religamento.”
Autor: Vereador Júlio Donizeti.
I. RELATÓRIO
O ilustre Vereador Jean Charles Serbeto, membro da Comissão de Justiça e Redação desta Casa, solicita parecer acerca da constitucionalidade e da legalidade do Projeto de Lei nº 168/2022, de autoria do Nobre Vereador Júlio Donizeti.
A instituição de serviços administrativos, por órgãos do Poder Executivo, é matéria da reserva da Administração e da iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo, sendo inconstitucional lei de iniciativa parlamentar (arts. 5º, e 47, II, XIV da Constituição Estadual e arts. 2º e 63 da LOM).
Assim, ao estabelecer que autarquia municipal será responsável pela introdução de texto informativo nas faturas do, viola o art. 63, da LOM, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo, incorrendo em vício de iniciativa o aludido projeto.
Há, no caso inconstitucionalidade por vício de iniciativa. Bem se vê que a Câmara de Vereadores invadiu a esfera de atuação do Executivo, valendo salientar que a administração municipal cabe ao Chefe do Executivo que deverá definir os serviços necessários e as prioridades de gestão
II. FUNDAMENTAÇÃO
Da adequação da via eleita (artigo 37, III, da Lei Orgânica do Município – LOM).
Inicialmente, cumpre destacar que o Nobre Vereador Autor do projeto observou corretamente a espécie normativa aplicável à matéria em exame, eis que fora protocolizada a iniciativa sob a forma de projeto de lei ordinária.
Nesse sentido, uma vez elencada a espécie normativa em comento como norma existente e válida no âmbito municipal (artigo 37, III, da LOM), à simetria do que se depreende no modelo de processo legislativo federal (artigo 59, III, da Constituição Federal), e não se tratando a matéria em comento de uma das reservadas à disciplina de lei complementar (artigo 40, parágrafo único, da LOM c.c. artigo 149, parágrafo único, do Regimento Interno), há de se concluir como cumprido o requisito da espécie normativa aplicável in casu, pelo que se reveste o projeto, em um primeiro momento, de legalidade e constitucionalidade sob o aspecto formal.
Dentre os métodos encontrados pelo legislador constitucional para conservar a integridade nacional, destaca-se a repartição constitucional de competências, prevista, mormente, do artigo 21 ao 24, c.c. artigo 30 da Lei Maior.
Para os fins deste parecer, destaca-se a competência dos Municípios para “legislar sobre assuntos de interesse local” (artigo 30, I, da Carta Magna).
Logo, há de se inferir que, respeitadas as diretrizes constitucionais, bem como o regramento geral da normatização federal e estadual, reputa-se como competente o Município para legislar sobre a temática proposta.
O projeto em questão é, destarte, formalmente constitucional e legal, no que concerne à competência da esfera governamental para regulamentar a matéria pretendida.
Contudo, no tocante à análise de eventual afronta a normas constitucionais, temos que, de iniciativa parlamentar, a presente propositura representa invasão na competência do Poder Executivo, afrontando os artigos 5º, 47, II e XIV, da Constituição Estadual, cuja observância é imposta aos Municípios pela previsão do art. 144 da mesma Carta.
Como administrador, o Poder Executivo planeja, organiza e dirige serviços, prestando-os direta ou indiretamente, nos moldes do art. 47, incs. II e XIV da aludida Carta Bandeirante.
O renomado administrativista Hely Lopes Meirelles adverte que a atribuição típica e predominante da Câmara é normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais.
A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. “(...) De um modo geral, pode a Câmara, por deliberação do plenário, indicar medidas administrativas ao prefeito adjuvandi causa, isto é, a título de colaboração e sem força coativa ou obrigatória para o Executivo; o que não pode é prover situações concretas por seus próprios atos ou impor ao Executivo a tomada de medidas especificas de sua exclusiva competência e atribuição. Usurpando funções do Executivo, ou suprimindo atribuições do prefeito, a Câmara praticará ilegalidade reprimível por via judicial (obra: Direito Municipal Brasileiro, Editora Malheiros, São Paulo, 15ª Ed., pag. 606/606).
Contudo, a propositura em testilha está impondo uma determinação ao SEMAE – Serviço Municipal Autônomo de Água e Esgoto, Autarquia prestadora de serviços públicos municipais, invadindo competência legislativa privativa do Chefe do Poder Executivo estabelecido no art. 41, III, da LOM e por similitude ao art. 150, III do RI.
E mais, a competência para legislar sobre a matéria (serviço público municipal) é exclusiva do Chefe do Executivo, nos termos do art. 64, XXIII e XXIV da LOM.
O Colendo Plenário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na ADIN nº 145.237-0/0 e no mesmo sentido, Adin nº 53.583-0, Rel. Fonseca Tavares, no mesmo sentido, Adin nº 43.9987, Rel. Otter Guedes; Adin nº 38.977, Rel. Des. Franciulli Netto; Adin nº 41.090-1, Rel. Des. Paulo Shintate e Adin nº 110.9198, Rel. Oliveira Ribeiro., afasta a interferência do Poder Legislativo sobre atividades e providências afetas ao Chefe do Poder Executivo. Foi fixado em julgado, que “Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos, quando a Câmara Municipal, órgão meramente legislativo pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito.”
Aliás, lei oriunda do Poder Legislativo local, tratando de matéria da mesma autarquia – SEMAE – foi declarada inconstitucional pelo TJSP:
VOTO": 13260 ADIN": 0149182-80.2011.8.26.0000 COMARCA: SÃO PAULO AGTE. : PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO AGDO. : PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO ADI - Lei de S. José do Rio Prelo, de iniciativa de vereador, que veda a interrupção do fornecimento de água por inadimplemento, a consumidores com renda familiar inferior a três salários mínimos mensais, desde que avaliados por assistente social dos quadros da autarquia, do SEMAE. Também outorga aos inadimplentes o direito ao parcelamento de débitos em até 24 meses. Vício de iniciativa presente, por interferir na gestão e administração municipal, no orçamento, criando, por fim, despesas, sem a indicação da necessária fonte de custeio. Também não se revelava necessário, pois o art. 22 do CDC já veda, em determinadas situações, o corte do fornecimento. Ação procedente. (g.n.)
Tal vício de iniciativa tem sido apontado reiteradamente pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 0135968-22.2011.8.26.0000 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - No âmbito municipal, as funções de governo são divididas entre os Poderes Executivo e Legislativo, cabendo àquele administrar com observância ao princípio da legalidade e a este editar normas genéricas e abstratas - Independência e harmonia entre os Poderes de Estado (artigo 5o da CE/89) - O Poder Executivo planeja, organiza e dirige serviços, prestando-os direta ou indiretamente (artigo 47 incisos II e XIV da CE/89) - No caso, embora elogiável, a instalação de equipamento eliminador de ar, anterior a todos os hidrômetros, trocados e instalados no sistema de abastecimento de água do Município de Mogi Mirim, obrigando, para tanto, a autarquia SAAE- Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Mogi Mirim, constitui ato próprio do Poder Executivo - Vício de iniciativa - Ademais, há criação de despesas sem a indicação de receita (artigo 25 da CE/89) - Referidos dispositivos são de observância obrigatória pelos municípios (artigo 144 da CE/89) - Portanto, a lei em tela vulnera os artigos 5o , 25, 47 incisos II e XIV e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo - Ação procedente.
Trata-se de indevida ingerência parlamentar na gestão administrativa orçamentária, a causar, por isso mesmo, situação danosa às relações institucionais entre os Poderes Legislativo e Executivo municipais.
Logo, ante as razões alhures, o projeto de lei padece de ilegalidade, por afronta à LOM, bem como inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, atividade de iniciativa e competência do chefe do Poder Executivo e ofensa ao princípio da Separação dos Poderes.
Por seu turno, no tocante a análise de eventual afronta a normas constitucionais, temos que, de iniciativa parlamentar, a presente propositura representa nítida invasão na competência do Poder Executivo, afrontados os artigos 5º, 47, II e XIV, da Constituição Estadual, cuja observância é imposta aos Municípios pela previsão do art. 144 da mesma Carta.
Pelo apresentado, sem adentrarmos no mérito da proposição, entendemos que o Poder Legislativo não tem competência para legislar sobre a matéria, padecendo de vício de iniciativa, o que configura sua inconstitucionalidade, por invasão na competência do Poder Executivo, afrontando os arts. 5º, 47, II e XIV da Constituição Paulista, cuja observância é imposta aos Municípios pela previsão do art. 144 da mesma Carta e 2º da Constituição da República Federativa do Brasil e 2º da Lei Orgânica deste Município.
Ante o exposto, o parecer é pela inconstitucionalidade e ilegalidade do Projeto de Lei nº. 168/2022, pelos motivos acima declinados.
Cumpre esclarecer, conclusivamente, que todo o exposto trata-se de parecer opinativo, ou seja, tem caráter técnico-opinativo. Nesse sentido é o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL que, de forma específica, já expôs a sua posição a respeito, in verbis:
“O parecer emitido por procurador ou advogado de órgão da administração pública não é ato administrativo. Nada mais é do que a opinião emitida pelo operador do direito, opinião técnico-jurídica, que orientará o administrador na tomada da decisão, na prática do ato administrativo, que se constitui na execução ex oficio da lei. Na oportunidade do julgamento, porquanto envolvido na espécie simples parecer, ou seja, ato opinativo que poderia ser, ou não, considerado pelo administrador.” (grifos nossos in Mandado de Segurança n° 24.584-1 - Distrito Federal - Relator: Min. Marco Aurélio de Mello – STF.)
O Prof. Hely Lopes Meirelles, em sua incontestável obra “Direito Administrativo Brasileiro”, Editora Malheiros, ensina que:
“O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação por quem o solicitou.”
É o nosso parecer, s.m.j., que ora submetemos, à apreciação da digna Comissão de Justiça e Redação desta Casa.
São José do Rio Preto, 04 de novembro de 2022
Fernando Francisco Papa Fabio de Freitas Carvalho
Assessor Jurídico Procurador Legislativo
OAB/SP nº 209.881 OAB/SP nº 219.335
parecer exarado pela ilegalidade e inconstitucionalidade
Tipo | Descrição | Extensão | Data | Tamanho |
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Arquivo 1 | 04/11/2022 | 426,7 KB | ||
Parecer nº 139 -PL 168 - Introdução de texto normativo nas faturas do SEMAE | .doc | 04/11/2022 | 138 KB |
Documento | Data | Assunto | Arquivos |
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Projeto de Lei Nº 168/2022 | 13/10/2022 | Dispõe sobre a introdução de texto informativo nas faturas do SeMAE sobre o valor da taxa de pagamento quando solicitar religamento. |